domingo, 1 de dezembro de 2013

REPORTAGEM : LOTINHO E TABAJARA – O General que desafiou preconceitos e é um dos bambas do samba da cidade

Arlindo Oliveira Filho, Lotinho
Arlindo Oliveira Filho, Lotinho, descende de uma família de músicos que, entre outras coisas criou o rancho carnavalesco Tenentes Negros, em 1936, e o Clube José do Patrocínio, vulgo Caba-Roupa, nos anos de 1950. Educado em um ambiente musical, festivo e carnavalesco, sua infância foi embalada pelos acordes do cavaquinho tocado pelo pai. Com o Tio Devanir Alves, aprendeu as primeiras notas musicais no trombone de vara. Ao som das canções executadas pelo acordeão do tio Cidica iniciou, aos 13 anos de idade, sua trajetória de cantor boêmio.

Integrantes do rancho carnavalesco Tenentes Negros
A partir das intermináveis conversas entoadas com os familiares mais velhos, Lotinho soube que determinados bares e clubes da cidade eram vetados aos negros. Exceção feita aos músicos e faxineiros que a eles adentravam somente para trabalhar. Entretanto graças a seu talento, Lotinho foi convidado na década de 1950 a apresentar-se no Uberlândia Clube. O convite foi recebido por ele com reservas: “Mas vocês não aceitam negro lá! Olha lá hein? A gente vai sofrer desfeita lá!”. Depois de muito diálogo com os diretores do clube, foi fechado o contrato. Cônscio do desafio assumido, Lotinho rapidamente se dirigiu à Loja Clark onde comprou dois pares de sapatos de verniz, sendo um par branco e outro preto. Logo após, deslocou-se até a Alfaiataria Paganini e encomendou um terno e uma camisa de casimira Europa.

Sobre a sua primeira apresentação no Uberlândia Clube, relembra o antigo boêmio: “cantei como nunca havia cantado até então”. No dia seguinte à estreia, Lotinho foi cumprimentado por todos que o encontrava, mas também censurado por muitos negros que viam naquela apresentação uma “traição”, no mínimo, uma “rendição” ao preconceito vigente na cidade.

Apesar dos elogios, críticas e ameaças que recebeu, Lotinho acreditava que suas apresentações contribuíram para a valorização do negro na sociedade uberlandense: “É que, antes de eu assinar contrato com o Uberlândia, os pretos não andavam no mesmo passeio que os brancos [...] E o fato do negrinho pegar o microfone e encantar no Uberlândia Clube ajudou a acabar com aquele negócio na avenida”.

Como cantor profissional, Lotinho também animou as noites do Cassino Monte Carlo, da Boate do Marra e Rádio Educadora, onde tinha um programa semanal levado ao ar todas as quintas-feiras às 20h. Por prazer cantou nos inúmeros bordéis localizados na rua Sem Sol, atual Engenheiro Azélli.

Criativo e inquieto culturalmente participou como cantor, ator e cinegrafista de diversos espetáculos musicais e teatrais realizados pelo clube Caba-Roupa: “ O Clube José do Patrocínio, desta cidade, realizou sábado passado grande show artístico, denominado ‘O Mercador de Sonho’. (...) Foi diretor organizador  e ensaiador, o senhor Joaquim Coelho. Orquestra sobre direção de Anízio L. Camilo. Cenários de Lotinho e Veiga Lago. O espetáculo foi variado, com diversos números que agradaram plenamente a plateia: cantos, bailados, humoristas, a peça ‘Tenda Árabe’ inspirada na mesma música em dois atos (Correio de Uberlândia, 1953, n. 3572, p.3)”.

Em 1954, Lotinho com outros jovens residentes no bairro Patrimônio fundou na rua Augusto dos Anjos, residência do casal Alberto Alves Carvalho e Darcy . Carvalho, a Escola de Samba Tabajara. Por dirigir a bateria, desenhar as fantasias e ensinar as cabrochas da Escola a dançar, Lotinho passou a ser chamado pela imprensa local de General. Sob seu comando, a Tabajara venceu o I Concurso de Escolas de Samba de Uberlândia, realizado em 1956 pela Rádio Educadora. Com o tricampeonato obtido em 1959, a Tabajara tornou-se presença obrigatória nos bailes carnavalescos do Uberlândia e Praia Clube: “ Na noite de terça-feira gorda, antes do início do baile carnavalesco, a escola campeã do carnaval de rua deste ano visitou o salão de festas do Uberlândia Clube.  Foi uma nota em destaque a valer por qualquer show. Os palacianos aplaudiram espetacularmente as evoluções dos passistas, das cabrochinhas e deliraram ao som do ritmo quente na batida do samba (Correio de Uberlândia, 1959, n. 6981, p.1)

A escola Tabajara em um desfile carnavalesco nos idos dos anos de 1950 , já
chamava a atenção do público.


No entanto as relações de Lotinho com o carnaval uberlandense nem sempre foram amistosas. Na segunda metade dos anos 1960, ele entrou em colisão com o então prefeito Renato de Freitas: “O meu desentendimento com o Renato de Freitas foi causado porque eu não o apoiei nas eleições. Ele disse que iria suspender a Tabajara e que a Escola não ganharia mais nenhum carnaval em Uberlândia, e tem mais, ele deixou as Escolas de Samba na mão, enfraquecendo o carnaval de Uberlândia, foi só isso”. Diante da ameaça recebida, o General protestou compondo um samba cuja a estrofe inicial, em tom provocativo, fazia o seguinte desafio:
“Andam dizendo por ai
Que a tabajara vai perder
Eu quero ver
Eu quero ver pra crer
Nós somos conformados
Mas depois do jurado
Quero ver resultado”

Hoje, as experiências boêmias e carnavalescas de Arlindo de Oliveira Filho estão encerradas. Alegando estar com os “dedos enferrujados” e com a “memória fraca”, raramente, toca um violão e canta uma das várias canções que compôs e/ou aprendeu através do rádio e dos discos.

Apesar de ignorado pelo poder público e desconhecido por boa parte dos membros da Escola de Samba que ajudou a fundar e a ganhar diversos títulos, o antigo General ainda sobrevive. O motivo? Talvez por acreditar no que disse Lupicínio Rodrigues: “É na noite que se faz música, que se diz poesia com mais sentimento. É onde, enfim, o amor é mais amor”.


Escrito por:
Júlio César, doutor em História Social pela PUC/SP. Autor de “Ontem ao luar: o cotidiano boêmio da cidade de Uberlândia (MG) nas décadas de 1940 a 1960”. Edufu, 2012.


Fonte: Revista Almanaque – Uberlândia de ontem e sempre, Ano 3, Nº 5,  agosto de 2013

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