Arlindo Oliveira Filho, Lotinho |
Integrantes do rancho carnavalesco Tenentes Negros |
A partir das intermináveis
conversas entoadas com os familiares mais velhos, Lotinho soube que
determinados bares e clubes da cidade eram vetados aos negros. Exceção feita
aos músicos e faxineiros que a eles adentravam somente para trabalhar.
Entretanto graças a seu talento, Lotinho foi convidado na década de 1950 a
apresentar-se no Uberlândia Clube. O convite foi recebido por ele com reservas:
“Mas vocês não aceitam negro lá! Olha lá hein? A gente vai sofrer desfeita lá!”.
Depois de muito diálogo com os diretores do clube, foi fechado o contrato.
Cônscio do desafio assumido, Lotinho rapidamente se dirigiu à Loja Clark onde
comprou dois pares de sapatos de verniz, sendo um par branco e outro preto.
Logo após, deslocou-se até a Alfaiataria Paganini e encomendou um terno e uma
camisa de casimira Europa.
Sobre a sua primeira apresentação
no Uberlândia Clube, relembra o antigo boêmio: “cantei como nunca havia cantado
até então”. No dia seguinte à estreia, Lotinho foi cumprimentado por todos que
o encontrava, mas também censurado por muitos negros que viam naquela
apresentação uma “traição”, no mínimo, uma “rendição” ao preconceito vigente na
cidade.
Apesar dos elogios, críticas e
ameaças que recebeu, Lotinho acreditava que suas apresentações contribuíram
para a valorização do negro na sociedade uberlandense: “É que, antes de eu
assinar contrato com o Uberlândia, os pretos não andavam no mesmo passeio que
os brancos [...] E o fato do negrinho pegar o microfone e encantar no Uberlândia
Clube ajudou a acabar com aquele negócio na avenida”.
Como cantor profissional, Lotinho
também animou as noites do Cassino Monte Carlo, da Boate do Marra e Rádio
Educadora, onde tinha um programa semanal levado ao ar todas as quintas-feiras
às 20h. Por prazer cantou nos inúmeros bordéis localizados na rua Sem Sol,
atual Engenheiro Azélli.
Criativo e inquieto culturalmente
participou como cantor, ator e cinegrafista de diversos espetáculos musicais e
teatrais realizados pelo clube Caba-Roupa: “ O Clube José do Patrocínio, desta
cidade, realizou sábado passado grande show artístico, denominado ‘O Mercador
de Sonho’. (...) Foi diretor organizador
e ensaiador, o senhor Joaquim Coelho. Orquestra sobre direção de Anízio L.
Camilo. Cenários de Lotinho e Veiga Lago. O espetáculo foi variado, com
diversos números que agradaram plenamente a plateia: cantos, bailados,
humoristas, a peça ‘Tenda Árabe’ inspirada na mesma música em dois atos
(Correio de Uberlândia, 1953, n. 3572, p.3)”.
Em 1954, Lotinho com outros jovens
residentes no bairro Patrimônio fundou na rua Augusto dos Anjos, residência do
casal Alberto Alves Carvalho e Darcy . Carvalho, a Escola de Samba Tabajara.
Por dirigir a bateria, desenhar as fantasias e ensinar as cabrochas da Escola a
dançar, Lotinho passou a ser chamado pela imprensa local de General. Sob seu
comando, a Tabajara venceu o I Concurso de Escolas de Samba de Uberlândia,
realizado em 1956 pela Rádio Educadora. Com o tricampeonato obtido em 1959, a
Tabajara tornou-se presença obrigatória nos bailes carnavalescos do Uberlândia
e Praia Clube: “ Na noite de terça-feira gorda, antes do início do baile
carnavalesco, a escola campeã do carnaval de rua deste ano visitou o salão de
festas do Uberlândia Clube. Foi uma nota
em destaque a valer por qualquer show. Os palacianos aplaudiram
espetacularmente as evoluções dos passistas, das cabrochinhas e deliraram ao
som do ritmo quente na batida do samba (Correio de Uberlândia, 1959, n. 6981,
p.1)
A escola Tabajara em um desfile carnavalesco nos idos dos anos de 1950 , já chamava a atenção do público. |
No entanto as relações de Lotinho
com o carnaval uberlandense nem sempre foram amistosas. Na segunda metade dos
anos 1960, ele entrou em colisão com o então prefeito Renato de Freitas: “O meu
desentendimento com o Renato de Freitas foi causado porque eu não o apoiei nas
eleições. Ele disse que iria suspender a Tabajara e que a Escola não ganharia
mais nenhum carnaval em Uberlândia, e tem mais, ele deixou as Escolas de Samba
na mão, enfraquecendo o carnaval de Uberlândia, foi só isso”. Diante da ameaça
recebida, o General protestou compondo um samba cuja a estrofe inicial, em tom
provocativo, fazia o seguinte desafio:
“Andam dizendo por aiQue a tabajara vai perderEu quero verEu quero ver pra crerNós somos conformadosMas depois do juradoQuero ver resultado”
Hoje, as experiências boêmias e carnavalescas de Arlindo de Oliveira
Filho estão encerradas. Alegando estar com os “dedos enferrujados” e com a
“memória fraca”, raramente, toca um violão e canta uma das várias canções que
compôs e/ou aprendeu através do rádio e dos discos.
Apesar de ignorado pelo poder público e desconhecido por boa parte dos
membros da Escola de Samba que ajudou a fundar e a ganhar diversos títulos, o
antigo General ainda sobrevive. O motivo? Talvez por acreditar no que disse Lupicínio
Rodrigues: “É na noite que se faz música, que se diz poesia com mais
sentimento. É onde, enfim, o amor é mais amor”.
Escrito por:
Júlio César, doutor em
História Social pela PUC/SP. Autor de “Ontem ao luar: o cotidiano boêmio da
cidade de Uberlândia (MG) nas décadas de 1940 a 1960”. Edufu, 2012.
Fonte: Revista Almanaque – Uberlândia de ontem e sempre, Ano 3, Nº 5, agosto de 2013
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